Este texto foi inspirado em uma dessas "surpresas" que a vida nos dá. Não pretendia me aprofundar tanto, nem soar muito filosófico mas acabei me deixando levar.
Todo dia ela faz tudo sempre igual, lhe dá um sacode às 6 da manhã, sorri o sorriso pontual, e o beija com a boca cheirando a creme dental sabor hortelã. Este Cotidiano cantado por Chico Buarque soa muito bem, claro, mais uma das várias evidências de seu talento, que para mim beira a genialidade. E pode nos fazer pensar também em como nos arriscaríamos a cantar o nosso próprio.
É bem verdade que em certos momentos a vida se parece uma mera repetição de fatos, mesmo que você procure fazer coisas “"diferentes” sempre que puder. Te digo o porquê mostrando alguns exemplos. Se você viaja para um lugar diferente em todos os fins de semana, não importa o quão diferente sejam as cidades e culturas, você estaria fazendo a mesma coisa sempre: viajando. Isso vale pra qualquer coisa, seja comer, praticar esportes, se divertir, rezar, trabalhar, fazer filhos ou navegar na internet. Sob um certo ponto de vista tudo o que você faz pode ser classificado como em “categorias” de ações e fatos, e estas infelizmente são limitadas. Se assim podemos dizer, acabamos por repeti-las a cada período determinado de tempo, seja um dia, uma semana ou 50 anos. Tudo bem, eu confesso que é um modo um pouco chato e negativo de ver as coisas, mas é inegável admitir que faz algum sentido e tem coerência.
É partindo daí que por momentos, as pessoas creem que nada acontece em suas vidas. Ora, acontecer me parece um verbo um tanto quanto relativo, mas não vamos entrar nessa discussão. Geralmente, o que elas querem dizer é que não veem grandes mudanças num futuro próximo, que sentem que realmente não estão experimentando ou descobrindo nada, que tudo está parado ao seu redor. Há quem defenda a importância de uma rotina em sua vida, e há quem a despreze e tenha repugnância. Então, melhor que seja uma opinião pessoal, questão de gosto, e gosto todos sabem: é como o cu, cada um tem o seu (ou como o braço, tem gente que não tem – piada infame do dia). Na minha opinião, a rotina é mais uma das inúmeras coisas que a gente quer quando não tem, e quando tem, não quer. É a famosa estória do carrinho de brinquedo você tinha quando criança. Passava o ano todo esquecido no quarto, sem andar nenhum centímetro sequer. Novo, implorando pra dar uma volta no chão da sala ou da cozinha. Mas quando aquele primo que mora longe vem passar férias e atende o desejo do brinquedo, já era. Você nunca sentiu tamanha vontade de brincar com aquele pequeno automóvel. Por supuesto, a estória acima se aplica também às bonecas; e nos acompanha pro resto de nossas vidas. Com a idade mudam-se os desejos, mas a moral da história é a mesma.
Mas de fato o que as vezes deixamos de perceber é que esta é a forma natural de trabalho do mundo, ou da natureza, ou do que for. Por mais que tudo se pareça congelado e estático, na verdade tudo está acontecendo a cada segundo que passa e o que está por vir é completamente dependente do que ocorreu neste segundo. Em outras palavras, pode-se dizer que cada ato, frase ou pensamento que uma pessoa manifesta, tem efeito direto na próxima realidade a ser presenciada. Mesmo que ínfimo, quase imperceptível, este efeito existe. E digo mais, ele é irreversível. É um exemplo do que chamamos de entropia, conceito a qual fui apresentado estudando engenharia e que, como você, não faço muita idéia do que realmente seja. Existe uma direção única a qual estão direcionadas todas as coisas; uma vez frito o peixe, não há como torná-lo cru novamente. O que muita vezes nos surpreende é que a velocidade destas transformações não nos é perceptível em pequenas franjas de tempo, e talvez hoje nos falte paciência neste mundo em que os anos parecem passar cada vez mais rápido (adeus 2009!) e essa rapidez assusta nossos avós, nossos pais e até nós mesmos. E talvez aí, percebemos onde está a grande sabedoria inerente às coisas naturais, tão ligadas às questões existenciais e íntimas de cada um de nós, chamados aqui de seres humanos.
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Para ver
O pestinha que virou hippie que virou tiozão.
Para ouvir
Chico só no ombrinho…