quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Precocidade


De duas, uma.
Ou esse país está condenado ou eu sou um milagre vivo da ciência humana.
Explico-me.
Em uma incomum caminhada matinal em meio a carros, viadutos e adolescentes cabisbaixos entretenidos com seus celulares, percebi que nos últimos 45 dias uma idéia se mantém acesa na minha cabeça de maneira persistente, me chamando a atenção para alguns fatos do meu cotidiano. Uma idéia velha. Um pensamento de gente velha, reclamão, ranzinza; que me faz olhar a sociedade em sua completude de uma forma não habitual e fora de costume da convivência diária.
Mas não é por orgulho ou vaidade que abri essa possibilidade de ser eu mesmo uma aberração da natureza. E já adianto, eu não bebi demais nas festividades de fim de ano, e muito menos transformei a minha água em vinho para a ceia de Natal. Me perguntando o porquê de ter sido tomado por esse pensamento ancião repentinamente, constatei que eu simplesmente posso ter envelhecido de maneira instantânea, contrariando o ritmo lento, gradual e sábio da natureza. Os 30 aniversários recém cumpridos teriam apertado um gatilho da terceira idade e subitamente sou um senhor de 65 anos, que vive resmungando em qualquer conversa, querendo convencer as pessoas de que o Brasil não terá solução em um horizonte de menos 500 anos. O assunto é tão sério que já até somatizei a minha própria teoria, coincidência ou não, estou com uma dor nas costas que insiste em não me abandonar.
A vocês jovens cheios de energia que não desistiram de continuar a ler este texto, me desafogo.
O jeitinho brasileiro. Eu o vejo. Com que freqüência? O tempo todo. E ele não está morto não.  Sim, ele, o mundialmente conhecido. A famosa malandragem que não é exclusivamente carioca. A lei de Gerson, que vale tanto como as de Newton.  A vontade incontrolável de levar vantagem, de fugir da regra, de se dar melhor do que os outros não importando preço, prazo e condição de pagamento. Por isso, oremos: ele está no meio de nós. Vivo, pulsante, enraizado na cultura brasileira assim como futebol e samba. E acredite em mim: você também já bebeu dessa água.
Nós somos assim. Não gostamos de seguir regras. Na próxima vez que estiver dirigindo, ao verificar uma placa de velocidade máxima 50 km/h, olhe diretamente pro seu velocímetro. Você com certeza já atravessou a rua, como pedestre, quando a luz indicativa estava vermelha. Como condutor, no farol vermelho. Só passamos a usar cinto de segurança depois que os carros começaram a apitar irritantemente.
E não falo somente das leis de trânsito. Isso é só o aperitivo. Existe também o submundo dos gatos de TV a cabo, luz, e internet. O cafezinho pro policial não te multar pois você estava sem a sua carteira de habilitação, a qual você também pagou pra ser aprovado no teste de rua. A propina para o mesmo policial para que não invadam e saqueiem o seu estabelecimento. Os políticos, que nada mais são do que aqueles que escolhemos para nos representar. A política, corrupta desde os anos de Cabral e Igreja Católica. As vendas “sem nota” de 98% das empresas brasileiras para tentar fugir da impressionante carga tributária do país. Advogados que são procuradores, trabalham a favor e contra o Estado ao mesmo tempo. O poder paralelo do tráfico de drogas e sua parcela de usuário. A indústria dos atestados médicos para a classe trabalhadora. O abuso da fé que enriquece milhões e não paga imposto. As filas que são furadas diariamente. Roubos e assaltos, que deixaram de ser absurdos pra virarem notícia. Colar na prova da escola. O sistema judiciário, suas milhares de brechas nas leis e o zero interesse em investigar a verdade por parte de todos: juízes, advogados e acusados. A justiça que não quer ser justa. Vagas de idoso e deficiente nos estacionamentos, ignoradas. A Petrobrás. O nepotismo. Privilégios por ser rico. Preconceito por ser pobre. Tudo isso esta aí, à sua volta. É só você parar e perceber.
E não venha me dizer que você não se identificou em nenhum dos (poucos) exemplos acima. Se ainda, por raridade, é pura falta de oportunidade. Esse modo de viver faz parte da cultura brasileira desde a época dos portugas. E você, em maior ou menor escala, é fruto da pátria amada, Brasil.

            Agora me dêem licença, porque o vovô está cansado e vai descansar. Essa dor nas costas está realmente me matando...