De duas, uma.
Ou esse país está condenado ou eu sou um milagre vivo da
ciência humana.
Explico-me.
Em uma incomum
caminhada matinal em meio a carros, viadutos e adolescentes cabisbaixos
entretenidos com seus celulares, percebi que nos últimos 45 dias uma idéia se
mantém acesa na minha cabeça de maneira persistente, me chamando a atenção para
alguns fatos do meu cotidiano. Uma idéia velha. Um pensamento de gente velha,
reclamão, ranzinza; que me faz olhar a sociedade em sua completude de uma forma
não habitual e fora de costume da convivência diária.
Mas não é por
orgulho ou vaidade que abri essa possibilidade de ser eu mesmo uma aberração da
natureza. E já adianto, eu não bebi demais nas festividades de fim de ano, e
muito menos transformei a minha água em vinho para a ceia de Natal. Me perguntando
o porquê de ter sido tomado por esse pensamento ancião repentinamente,
constatei que eu simplesmente posso ter envelhecido de maneira instantânea,
contrariando o ritmo lento, gradual e sábio da natureza. Os 30 aniversários
recém cumpridos teriam apertado um gatilho da terceira idade e subitamente sou
um senhor de 65 anos, que vive resmungando em qualquer conversa, querendo
convencer as pessoas de que o Brasil não terá solução em um horizonte de menos
500 anos. O assunto é tão sério que já até somatizei a minha própria teoria, coincidência
ou não, estou com uma dor nas costas que insiste em não me abandonar.
A vocês jovens
cheios de energia que não desistiram de continuar a ler este texto, me
desafogo.
O jeitinho
brasileiro. Eu o vejo. Com que freqüência? O tempo todo. E ele não está morto não.
Sim, ele, o mundialmente conhecido. A
famosa malandragem que não é exclusivamente carioca. A lei de Gerson, que vale
tanto como as de Newton. A vontade
incontrolável de levar vantagem, de fugir da regra, de se dar melhor do que os
outros não importando preço, prazo e condição de pagamento. Por isso, oremos:
ele está no meio de nós. Vivo, pulsante, enraizado na cultura brasileira assim
como futebol e samba. E acredite em mim: você também já bebeu dessa água.
Nós somos
assim. Não gostamos de seguir regras. Na próxima vez que estiver dirigindo, ao
verificar uma placa de velocidade máxima 50 km/h , olhe diretamente
pro seu velocímetro. Você com certeza já atravessou a rua, como pedestre,
quando a luz indicativa estava vermelha. Como condutor, no farol vermelho. Só
passamos a usar cinto de segurança depois que os carros começaram a apitar
irritantemente.
E não falo
somente das leis de trânsito. Isso é só o aperitivo. Existe também o submundo
dos gatos de TV a cabo, luz, e internet. O cafezinho pro policial não te multar
pois você estava sem a sua carteira de habilitação, a qual você também pagou
pra ser aprovado no teste de rua. A propina para o mesmo policial para que não
invadam e saqueiem o seu estabelecimento. Os políticos, que nada mais são do
que aqueles que escolhemos para nos representar. A política, corrupta desde os
anos de Cabral e Igreja Católica. As vendas “sem nota” de 98% das empresas
brasileiras para tentar fugir da impressionante carga tributária do país. Advogados
que são procuradores, trabalham a favor e contra o Estado ao mesmo tempo. O
poder paralelo do tráfico de drogas e sua parcela de usuário. A indústria dos
atestados médicos para a classe trabalhadora. O abuso da fé que enriquece
milhões e não paga imposto. As filas que são furadas diariamente. Roubos e
assaltos, que deixaram de ser absurdos pra virarem notícia. Colar na prova da
escola. O sistema judiciário, suas milhares de brechas nas leis e o zero interesse
em investigar a verdade por parte de todos: juízes, advogados e acusados. A
justiça que não quer ser justa. Vagas de idoso e deficiente nos
estacionamentos, ignoradas. A Petrobrás. O nepotismo. Privilégios por ser rico.
Preconceito por ser pobre. Tudo isso esta aí, à sua volta. É só você parar e
perceber.
E não venha me
dizer que você não se identificou em nenhum dos (poucos) exemplos acima. Se
ainda, por raridade, é pura falta de oportunidade. Esse modo de viver faz parte
da cultura brasileira desde a época dos portugas. E você, em maior ou menor
escala, é fruto da pátria amada, Brasil.
Agora
me dêem licença, porque o vovô está cansado e vai descansar. Essa dor nas
costas está realmente me matando...