sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Nós quem somos

Não sei.
Na verdade sabemos, mas não sabemos explicar.
Pode ser culpa das palavras, mal acabadas.
Pode ser culpa de ninguém.
Pode ser culpa de nós mesmos.
Sobre quem é você eu sei. Você é aquele sorriso. Aquele sorriso que atrai outros sorrisos, que no fundo o invejam porque não são como o seu. Os deles são sorrisos artificiais, que sorriem para lentes de uma câmera. O seu sorriso é diferente, pois nele vejo tudo pelo que me apaixonei. E por mais que minhas lágrimas tentem densefocá-lo, eu sorrio por dentro também porque sinto ele em mim.
Você é a sua beleza. Seu jeito único de pronunciar as palavras que me faz rir e chorar.
Você é o seu jeito de andar, e de correr, e de deitar a cabeça em meu colo pra me manter ali, paralisado sob o seu sono.
Você é a sua inteligência que ostentas sem perceber, e sem precisar mostrá-la.
E sem perceber também, a vida parece que nos obriga a viver momentos em que não somos nós mesmos. Estranhamos. Afinal eu serei sempre eu, como posso não ser eu mais? Ser e estar são a mesma coisa, um ser é conjunto de vários estares, nada mais. A alma brinca de artista mas sempre recebe os mesmos aplausos no final.
O que me acalma é a certeza do que foi dito anteriormente. O sorriso mudou de cor, mas não de sentido. E não deixou de ser sentido. Se hoje ele é mais raro, é porque se valorizará. Se hoje ele é unitário, é porque virá mais seguro. Se hoje ele não veio, é porque vem maior no dia seguinte.
De mim sei pouco, mas o que sei, sei que é vivo. Se te devo desculpas, as peço e me entristeço. Se não as devo, lhe peço ainda assim, porque sou frágil. Fragilidade que você  mesmo me escancarou numa tarde de céu alaranjado.
De nós, isso é o que sei.

Do futuro, nós quem somos. Nós sabemos.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Precocidade


De duas, uma.
Ou esse país está condenado ou eu sou um milagre vivo da ciência humana.
Explico-me.
Em uma incomum caminhada matinal em meio a carros, viadutos e adolescentes cabisbaixos entretenidos com seus celulares, percebi que nos últimos 45 dias uma idéia se mantém acesa na minha cabeça de maneira persistente, me chamando a atenção para alguns fatos do meu cotidiano. Uma idéia velha. Um pensamento de gente velha, reclamão, ranzinza; que me faz olhar a sociedade em sua completude de uma forma não habitual e fora de costume da convivência diária.
Mas não é por orgulho ou vaidade que abri essa possibilidade de ser eu mesmo uma aberração da natureza. E já adianto, eu não bebi demais nas festividades de fim de ano, e muito menos transformei a minha água em vinho para a ceia de Natal. Me perguntando o porquê de ter sido tomado por esse pensamento ancião repentinamente, constatei que eu simplesmente posso ter envelhecido de maneira instantânea, contrariando o ritmo lento, gradual e sábio da natureza. Os 30 aniversários recém cumpridos teriam apertado um gatilho da terceira idade e subitamente sou um senhor de 65 anos, que vive resmungando em qualquer conversa, querendo convencer as pessoas de que o Brasil não terá solução em um horizonte de menos 500 anos. O assunto é tão sério que já até somatizei a minha própria teoria, coincidência ou não, estou com uma dor nas costas que insiste em não me abandonar.
A vocês jovens cheios de energia que não desistiram de continuar a ler este texto, me desafogo.
O jeitinho brasileiro. Eu o vejo. Com que freqüência? O tempo todo. E ele não está morto não.  Sim, ele, o mundialmente conhecido. A famosa malandragem que não é exclusivamente carioca. A lei de Gerson, que vale tanto como as de Newton.  A vontade incontrolável de levar vantagem, de fugir da regra, de se dar melhor do que os outros não importando preço, prazo e condição de pagamento. Por isso, oremos: ele está no meio de nós. Vivo, pulsante, enraizado na cultura brasileira assim como futebol e samba. E acredite em mim: você também já bebeu dessa água.
Nós somos assim. Não gostamos de seguir regras. Na próxima vez que estiver dirigindo, ao verificar uma placa de velocidade máxima 50 km/h, olhe diretamente pro seu velocímetro. Você com certeza já atravessou a rua, como pedestre, quando a luz indicativa estava vermelha. Como condutor, no farol vermelho. Só passamos a usar cinto de segurança depois que os carros começaram a apitar irritantemente.
E não falo somente das leis de trânsito. Isso é só o aperitivo. Existe também o submundo dos gatos de TV a cabo, luz, e internet. O cafezinho pro policial não te multar pois você estava sem a sua carteira de habilitação, a qual você também pagou pra ser aprovado no teste de rua. A propina para o mesmo policial para que não invadam e saqueiem o seu estabelecimento. Os políticos, que nada mais são do que aqueles que escolhemos para nos representar. A política, corrupta desde os anos de Cabral e Igreja Católica. As vendas “sem nota” de 98% das empresas brasileiras para tentar fugir da impressionante carga tributária do país. Advogados que são procuradores, trabalham a favor e contra o Estado ao mesmo tempo. O poder paralelo do tráfico de drogas e sua parcela de usuário. A indústria dos atestados médicos para a classe trabalhadora. O abuso da fé que enriquece milhões e não paga imposto. As filas que são furadas diariamente. Roubos e assaltos, que deixaram de ser absurdos pra virarem notícia. Colar na prova da escola. O sistema judiciário, suas milhares de brechas nas leis e o zero interesse em investigar a verdade por parte de todos: juízes, advogados e acusados. A justiça que não quer ser justa. Vagas de idoso e deficiente nos estacionamentos, ignoradas. A Petrobrás. O nepotismo. Privilégios por ser rico. Preconceito por ser pobre. Tudo isso esta aí, à sua volta. É só você parar e perceber.
E não venha me dizer que você não se identificou em nenhum dos (poucos) exemplos acima. Se ainda, por raridade, é pura falta de oportunidade. Esse modo de viver faz parte da cultura brasileira desde a época dos portugas. E você, em maior ou menor escala, é fruto da pátria amada, Brasil.

            Agora me dêem licença, porque o vovô está cansado e vai descansar. Essa dor nas costas está realmente me matando...